Uma axiomatização formal do texto “Implicações da Análise do Comportamento e Modelo biomédico” é feita com base nos pressupostos ontológicos e propriedades lógicas analisadas em texto anterior. O objetivo é representar, na forma de um sistema formal axiomatizado, os núcleos conceituais do argumento, especificando:
Postulados primitivos (definições e termos não definidos)
Postulados ontológicos e lógicos (premissas assumidas)
Axiomas (relações aceitas entre os postulados)
Teoremas (conclusões deduzíveis)
Essa formalização busca explicitamente separar o nível ontológico do nível lógico, como é comum na tradição analítica.
📚 SISTEMA AXIOMÁTICO
"Sistema Comparativo de Dispensabilidade Ontológica em Modelos de Saúde Mental"
I. POSTULADOS PRIMITIVOS
(Termos não definidos, aceitos como fundamentais para o sistema)
MED
— Modelo biomédico.AEC
— Análise Experimental do Comportamento.S
— Estabilidade comportamental observada.Φ
— Conjunto de proposições científicas aceitas.C
— Conjunto de contingências de reforçamento (no ambiente).M
— Medicação psicotrópica contínua.D(x)
— "x é dispensável".R(x)
— "x é retratável epistêmicamente".A(x, y)
— "x assimila y sem contradição".¬
— negação lógica.⊢
— dedutibilidade.
II. POSTULADOS ONTOLÓGICOS (PO)
(Compromissos ontológicos de cada modelo)
PO1. MED
postula que: S
é causada por M
exclusivamente.
Formal: MED ⊢ S ← M ∧ ¬C
PO2. AEC
postula que: S
é causada por C
.
Formal: AEC ⊢ S ← C
PO3. MED ⊢ D(C)
— o modelo biomédico considera dispensáveis as contingências.
PO4. AEC ⊢ D(M)
— a análise do comportamento considera a medicação dispensável, dado C
adequado.
PO5. AEC ⊢ A(M, C)
— a AEC pode assimilar o papel da medicação como variável ambiental.
PO6. ¬(MED ⊢ A(C, M))
— o modelo biomédico não assimila a contingência como explicação causal primária.
III. POSTULADOS LÓGICOS (PL)
(Regras do sistema lógico subjacente)
PL1. Lógica utilizada é não-monotônica:
Se Φ ⊢ p
, pode ocorrer Φ ∪ {q} ⊬ p
.
PL2. Há uma hierarquia de retratabilidade entre proposições:
Se R(p) < R(q)
, então é racional preferir retratar q
antes de p
.
PL3. R(D(C)) < R(D(M))
→ A dispensabilidade do comportamento operante é menos retratável que a da medicação.
(Nota: Retratabilidade é uma função crescente: valores maiores indicam maior facilidade epistêmica de revisar ou rejeitar uma proposição.)
PL4. Uma proposição é ontologicamente inconsistente se implica ¬Φ
.
PL5. Um modelo é mais robusto se assimila o outro sem contradizer seus postulados.
Formal: A(x, y) ∧ ¬(x ⊢ ¬Φ) ⇒ Robust(x) > Robust(y)
IV. AXIOMAS (A)
(Relações fundamentais entre postulados que não são provadas dentro do sistema)
A1. D(x) ⇒ R(D(x))
— se algo é dispensável, então essa afirmação pode ser retratada (é revisável).
A2. D(C) ⇒ ¬Φ
— a dispensabilidade das contingências implica a negação de fatos aceitos na ciência comportamental.
A3. D(M) ∧ C ⊢ S
— estabilidade pode ser atingida mesmo na ausência de medicação, se há controle de contingências.
A4. A(M, C)
⇒ D(M)
— se a medicação pode ser explicada pela AEC como variável ambiental, então é dispensável enquanto causa primária.
A5. ¬A(C, M)
⇒ ¬D(C)
— se o modelo biomédico não assimila as contingências, então não pode afirmá-las como dispensáveis sem contradição.
V. TEOREMAS (T)
(Deduções com base nos postulados e axiomas)
T1. A afirmação da dispensabilidade do comportamento operante (D(C)
) leva à contradição ontológica.
Demonstração:
De A2: D(C) ⇒ ¬Φ
De PL4: ¬Φ
⇒ contradição.
Logo: D(C)
é inconsistente.
T2. A afirmação da dispensabilidade da medicação (D(M)
) é retratável sem contradição.
Demonstração:
De A3: D(M) ∧ C ⊢ S
De PL1 e PL2: essa proposição pode ser revisada sem implicar ¬Φ
.
Logo: D(M)
é mais retratável que D(C)
.
T3. O modelo AEC é ontologicamente mais robusto que o biomédico.
Demonstração:
De PO5: AEC ⊢ A(M, C)
De PO6: ¬(MED ⊢ A(C, M))
De PL5: Robust(AEC) > Robust(MED)
T4. A compatibilidade prática entre os modelos não resolve a contradição ontológica.
Demonstração:
Compatibilidade prática ≠ Assimilabilidade ontológica (por PL5).
Logo: só há compatibilidade se A(x, y)
for verdadeira. Mas ¬A(C, M)
.
Logo: incompatibilidade estrutural permanece.
T5. O uso dominante do modelo biomédico não se justifica logicamente, mas politicamente.
Demonstração:
Se Robust(AEC) > Robust(MED)
e MED
domina políticas públicas,
então a causa da adoção não é epistêmica, mas exógena ao sistema (¬causa(Φ)
, e sim causa(política)
).
✅ Conclusão
Este sistema formal mostra que:
A dispensabilidade do comportamento operante é ontologicamente insustentável (T1).
A dispensabilidade da medicação é epistêmicamente revisável, portanto mais racional (T2).
A AEC tem maior assimilabilidade e robustez ontológica (T3).
A compatibilidade prática entre os modelos não é suficiente para resolver seu conflito ontológico (T4).
A adoção prática do modelo biomédico é política, não lógica ou científica (T5).